sexta-feira, 1 de junho de 2001

Bob e o Silêncio do Mundo

Naquela tarde de domingo, o FlaxFlu iluminava a sala com a urgência de um coração acelerado. Meu pai ria, exultava, gesticulava, mas eu não via o jogo. Via Bob. O siamês idoso, de olhos azuis que guardam o oceano inteiro, empoleirado sobre a televisão, como se a cada centímetro quadrado daquele móvel controlasse não só a sala, mas os segredos do mundo, as chaves da vida e da morte, os enigmas que nem nós, humanos, ousamos enfrentar.

Os gatos nos fazem tolos. Aceitamos a sua indiferença como virtude, a sua preguiça como elegância. Dormem quinze, vinte horas por dia, e mesmo assim insistimos em achar que são fofos, que nos amam, que nos compreendem. Bob, contudo, sabia. Sabia que nosso amor é uma gratidão, um ritual bobo, e que o verdadeiro dom é dele: a paz que nos oferece sem exigir nada em troca.

O mundo humano, comparado à vida de um gato, é uma comédia patética. Lutamos por fronteiras invisíveis, por religiões inventadas, por guerras que julgamos justas. Queremos que nossos países, nossas ideias, nossas convicções, sejam eternas, dignas, indiscutíveis. Bob boceja diante de tudo isso, os bigodes vibrando de desprezo, os olhos semi-cerrados, julgando-nos com aquela majestade silenciosa que só um ser com sete vidas sabe ter.

O cachorro é útil, leal, servo; o cavalo é força, o boi é carne, a vaca é leite; até o primata nos imita para lembrar-nos de nossa origem. Mas o gato — o gato nada nos dá. Ele nos devolve algo muito mais precioso: o reconhecimento da nossa pequenez, a lembrança de que toda grandeza humana é efêmera, que toda obsessão por poder e razão é apenas um gesto ridículo diante da eternidade silenciosa.

Bob dorme. E enquanto dorme, nos ensina a olhar o mundo com olhos novos, a aceitar o ócio como virtude, a perceber que a verdadeira autoridade é a do silêncio, a da contemplação, a da indiferença majestosa. Ao lado dele, nós nos tornamos mais humanos — não pelo que fazemos, mas pelo que nos permitimos deixar de fazer.

No final, é isso que Bob nos dá. Não leite, não carne, não fidelidade. Apenas paz. Um instante que se prolonga, que nos faz respirar devagar, que nos faz perceber que, mesmo no caos do mundo, existe alguém — ou algo — que ri de tudo, mas permanece ali, perto, silencioso, nos lembrando de que a vida é, antes de tudo, contemplação.

E assim, entre um bocejo e outro, entre o jogo e o silêncio, eu compreendo que amar Bob é aprender a amar o mundo sem precisar dominá-lo.


— Bruno e Bob, Siamês. Junho de 2001.