quarta-feira, 14 de junho de 1995

Feliz Festa Junina de 1995 — com sangue

Junho de 1995. Brasília, mesmo de longe, ainda pulsa em mim como uma febre seca. Não moro mais lá. A vida, com seus caprichos familiares, me empurrou para um canto da geografia onde o barulho dos vizinhos atravessa as paredes finas, onde o cheiro da poeira se mistura à gordura de fritura, e onde, nas noites frias do meio do ano, o silêncio que procuro é sempre interrompido por vozes que não me pertencem.

Não há crise, nem amores impossíveis, nem tragédias secretas a confessar. Apenas um corpo que se arrasta pelos corredores de um colégio onde sou lembrado — quando lembrado — como motivo de piada. Boneco de Olinda, diziam no Recife, quando o destino me fez passar por lá. Um apelido grande demais para um menino que só queria ser invisível.

E aqui estou, no meu primeiro ano do segundo grau, assistindo de longe a festa junina que se arma no pátio do colégio. Não participo. Não danço. Não como o bolo de milho, nem bebo o quentão improvisado com refrigerante e canela. Em vez disso, no silêncio do meu quarto, sinto o cerrado ainda em mim: aquela seca de Brasília que fere por dentro, que abre fissuras nas narinas e deixa crescer, noite após noite, pequenas coroas secas de sangue e catarro. As mesmas que me impedem de dormir direito. O mesmo incômodo miúdo que parece crescer junto com o rancor.

Penso em algumas poucas meninas — Amanda, Cristiane, Daniele, Tatiana. Penso que talvez um olhar de compaixão pudesse ter sido suficiente para me fazer diferente. Mas não veio. Nem delas, nem dos meninos. E no fundo, talvez eu já soubesse: não se espera bondade de quem ainda está aprendendo a sobreviver.

Há, contudo, um certo freio no abismo. Chama-se Bob. Bob, o gato siames, caçador implacável de baratas e ratos nesta casa que detesto, é também meu guardião. É ele que, de algum modo, me impede de atravessar o limite do irreversível. Talvez por isso eu ainda escreva estas linhas e não uma notícia de jornal.

Junho, quinze anos recém-completados. Frio. Sozinho. Do fundo de um quarto que poderia ser uma cela ou um confessionário, deixo meu recado: feliz festa junina de 1995, com sangue. Não o sangue quente da alegria ou da paixão, mas o coagulado, seco e silencioso que carrego nas narinas e no peito.

Com amor e rancor,

Bruno e Bob

Das profundezas do inferno de Dante.

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