sexta-feira, 15 de agosto de 2025

A menina do chaveiro Laranja.

Minha menina. Quem me conhece sabe a quem me refiro. Não irei expô-la. Quando, há 20 anos, você surgiu na minha vida, nas fotos as pessoas achavam que éramos irmãos de sangue, de tão parecidos que éramos. Meu pai, pouco antes de adoecer, ficou encantado por ti. Ele disse: “Bruno, você ganhou na Mega-Sena”. Ele me falou isso quando você conheceu minha família na churrascaria Pampa, ao lado do Park Shopping.

Me lembro como se fosse hoje nosso primeiro encontro, no Cine Brasília. Fomos ver um festival de filmes do Woody Allen. Tudo isso começou numa sala de bate-papo do UOL, quando não existia WhatsApp e os celulares eram tijolos. Seu “nick” era Virginia Woolf. E vimos, em seguida, dois filmes do Woody Allen. Durante a sessão dupla, você foi se aproximando de mim. Pegou na minha mão, ficamos de mãos dadas. Você encostou sua cabeça no meu ombro.

Após os filmes, você me perguntou, com a carinha mais fofa do mundo, se podia me beijar. Eu disse sim. Esse “sim” mudou minha vida — para o bem e para o mal.

Eu, todo tímido e acuado, disse: “Olha, eu nem moro no DF, não sei dirigir, moro no Valparaíso, preciso de ônibus para voltar pra casa”. Mas você respondeu: “Ué, e daí? Eu adorei você. Tem um restaurante perto da minha quitinete, na Asa Norte, que só toca rock, e eu sou viciada em queijo gorgonzola. Lá eles fazem um fondue fantástico. Topa ir comigo?”.

Perguntar a Bruno Gonçalves se gosta de rock e depois oferecer queijo gorgonzola... você roubou minha alma em cinco segundos. A essa altura, eu já estava totalmente entregue a você.

Mas me lembro de, nesse mesmo encontro, a gente se desafiar com joguinhos mentais. Fomos conversando sobre música primeiro. Você sabia dizer a história, a biografia, o mapa genealógico das bandas que eu amo. Além de saber geografia, as capitais do mundo. Você me deu uma aula sobre cada detalhe dos integrantes dos Beatles, Nirvana, Rolling Stones, do movimento punk, The Clash, Sex Pistols, Ramones... além de saber cada detalhe sobre o Jim, do The Doors.

Você sabia tudo, mas eu respondia tudo e te perguntava mais. A gente ria até dar gargalhadas. Mas nesse xadrez lúdico e fofo, o resultado já estava traçado: empate. Seria impossível alguém dar xeque-mate no outro, pois tudo que eu sabia, você já tinha as respostas, e vice-versa.

Estávamos numa mesa, num ambiente aberto. Estava frio, era meio do ano em Brasília. Enquanto esperava você retornar do banheiro, pensei comigo mesmo: “Não é possível... Deus existe. É demais pra mim essa injeção de tanta dopamina de uma vez”.

Você quis me desafiar com mais jogos mentais, com o sorriso mais lindo do mundo. Não me furtei desse desafio, respondendo na lata sobre tudo o que você me perguntava — de filmografia de Woody Allen, Bergman, Tarantino, Hitchcock, Kubrick, etc., além das bandas. Daí você me disse: “Você é lindo, fantástico, um cavalheiro, gosta de tudo que eu gosto. Topa mais uma rodada de queijo gorgonzola e vamos pra minha casa?”. Eu fiquei hipnotizado, sem acreditar.

Durante a segunda rodada de queijo gorgonzola, você me disse: “Você se chama Bruno e é de Gêmeos, né?”. Eu disse sim, mas que não entendia nada de signos ou horóscopo. Você me perguntou a data exata em que nasci, eu disse: “23 de maio de 1980”. Você sorriu, puxou sua carteira de identidade e me mostrou: “Eu sou de 23 de maio de 1981 e tenho um irmão chamado Bruno, que amo de paixão”.

Eu fiquei abismado. Você me convidou a passar a noite na sua casa. Eu aceitei, não tinha como não aceitar.

Passamos a noite juntos, fizemos o que tínhamos de fazer. Eu me senti o super-homem. E assim fomos por meses. Me lembro exatamente do dia em que você me deu a chave da sua residência, num chaveiro em forma de laranja. Você disse: “Bruno, você tem permissão de entrar e sair da minha casa quando quiser”.

Íamos muito ao Parque Olhos D’Água, perto da sua casa, pois você adorava o verde, tocar nas árvores, ver animais — eu também.

Até que um dia você me pediu para conversar. Disse: “Bru Bruno” — você me chamava de “Bru Bru” — “preciso te contar algo. Eu sou bipolar”. Eu respondi: “Tá bem, ué, te amo do mesmo jeito. Bipolar é aquele negócio de que a pessoa uma hora está muito alegre e outra hora muito triste?”. Você respondeu, olhando sério, com aquele rostinho branco e olhos verdes, a coisa mais linda do mundo: “Bru Bru, é muito mais pesado do que pensa”. Eu disse: “Ok, te amo” — e mal sabia o que era bipolaridade.

Até você ter a primeira crise: foi no shopping, gastou seu salário inteiro e entrou no cheque especial. Comprou um monte de roupas — para mim, para sua família em Minas Gerais — enfim. No dia seguinte, acordou se sentindo péssima, me ligou chorando e gritando: “Bru Bru, vem aqui, não estou bem!”. Eu fui te acudir. Fomos à sua psiquiatra; ela te deu um atestado e um laudo de 15 dias. Eu comecei a entender o que era bipolaridade.

Você melhorou. Fomos visitar sua família em Minas. Ao ver seu irmão Bruno, você caiu no choro e disse: “Deixa eu tirar uma foto de vocês, meus dois amores, meus Bru Brus”.

Seu irmão é um doce de pessoa, assim como sua família. Até um dia meu “cunhado” Bruno me chamar e dizer: “Olha, você é uma pessoa fantástica, ela te ama. Mas sou irmão mais velho dela. Uma hora ela vai surtar, mas de uma maneira que não sei se você está preparado”. Eu respondi: “Eu faço tudo pela %%%%%%. Nossa, como eu amo sua irmã”. Meu cunhado Bruno me abraçou, chorando, e me disse: “Você é um anjo, xará, mas você ainda não viu nada. É só o início. Mas obrigado por cuidar da minha maninha”.

Passaram-se meses, até você me ligar dizendo que estava com pavor, que alguém estava te perseguindo. Saí correndo do Valparaíso ao seu encontro, com meu irmão e minha então ex-cunhada. Ao entrar no seu apartamento, você estava no chão, em posição fetal, chorando, dizendo que estava ouvindo vozes e gritando por seu Bru Bru.

Te acudi. Te acolhi. Até chegar um fatídico dia em que você me olhou e disse: “Meu Bruzinho, meu Bru Bru, você não merece isso. É demais para você me suportar”. Eu me acabei em lágrimas, choramos abraçados. Devolvi seu chaveiro em formato de laranja. E, a partir desse dia, nunca mais ouvi falar de você. Mas sei de notícias que não irei falar para não expô-la.

Estou morando sozinho. Lá se vão 20 anos desde que te conheci. Minha vida se resume a antes e depois de ti. Minha menina. Não faço ideia se você está viva ou morta, mas te amo. Minha menina.

A ti, esteja onde estiver, te amo muito. Hoje completam 20 anos.

Seu Bru Bru é um antes de ti e outro pós-ti. Que Deus esteja do seu lado, caso você esteja nesse mundo ou no além. Minha menina fofa. Meu tudo, que tomaram de mim.

Att.,

Bruno

Agosto de 2025

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