O expediente na embaixada tinha terminado como tantos outros: com e-mails respondidos, carimbos bem dados e um leve cheiro de café já frio no corredor. O rapaz voltou para casa como volta todo funcionário depois de um dia sério — gravata afrouxada, pasta na mão e aquele cansaço de quem mediou conflitos que não são seus.
Mas bastou atravessar o prédio em que reside para perceber que ali, na portaria, a diplomacia ganharia uma nova missão.
Ele era novato no prédio e o porteiro, desses que ainda guardam nos olhos o frescor de um morador novo. Mas o detalhe não estava no rosto, e sim no peito: uma camisa do Flamengo, com o vermelho e o preto estufados como bandeira em dia de vento forte.
— Que camisa é essa, do melhor do mundo? — perguntou o funcionário, sem o menor interesse em manter neutralidade.
O porteiro riu, e não riu sozinho: chamou o colega, como quem convoca reforço para batalha de trincheira.
— Vem cá, Juarez! Olha só o que eu achei… esse aqui é vascaíno também!
O outro se aproximou com o cuidado de quem vai examinar um documento secreto. Antes que a tensão se instalasse, o diplomata lançou a frase que selou o armistício:
— Vascaíno também é gente, ué.
Foi o suficiente para que o riso invadisse a portaria como torcida em final de campeonato. E, no rastro dessa alegria, surgiu a ideia: convocar o irmão do diplomata, o Vítor, vascaíno de berço e de bravura, para uma disputa de conhecimentos futebolísticos. Não sobre política internacional, mas sobre quantos gols o Edmundo fez no Brasileirão de 97 ou qual o placar da final de 2000 no Maracanã.
Naquele instante, não havia porteiro ou diplomata, Flamengo ou Vasco, gravata ou boné. Só três homens dividindo histórias, provocações e o milagre brasileiro de transformar qualquer diferença em assunto para piada.
Porque é assim que o Brasil negocia seus tratados invisíveis: na esquina, na calçada, na portaria de um prédio, com a bola imaginária rolando e as risadas correndo soltas. E, enquanto houver conversa de futebol, talvez não falte paz neste país.
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